tag:blogger.com,1999:blog-74758082024-03-13T00:14:59.923+00:00JoaoLucsem luz, não dá.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.comBlogger503125tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-49428390871102355602017-06-30T09:58:00.000+01:002017-06-30T09:58:17.226+01:00Princípios Simples XXXIIITudo é temporário.
<p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqrCwoifuXNqHbDGKNdAXGeNG6p8newNVX0fDjsPhBQ_W-N7PzpQJtZwkqicp8r5KRkASJUua40BpSeSbjARsXuuLI_-PWnBU6LMjYzP3136gwfdT860KupLlSPFL6MZ2GbEO7/s1600/IMGP7101.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqrCwoifuXNqHbDGKNdAXGeNG6p8newNVX0fDjsPhBQ_W-N7PzpQJtZwkqicp8r5KRkASJUua40BpSeSbjARsXuuLI_-PWnBU6LMjYzP3136gwfdT860KupLlSPFL6MZ2GbEO7/s1600/IMGP7101.JPG" data-original-width="570" data-original-height="450" /></a><p><small> | portugal | verão de 2016 |</small></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-78171811571528148292017-06-28T16:08:00.001+01:002017-06-28T16:08:54.708+01:00A idade, essa rameira.Ao contrário do que anunciam os conservadores, a idade não pesa na interpretação dos textos clássicos de Marx, Mandel ou Antero de Quental.
<p>Pesa sim naquilo que se pensa sobre os ídolos da adolescência. Aos 16, Ian McCulloch o mais brilhante, inspirado e elegante músico da galáxia. Aos 22, Ian McCulloch é fixe. Aos 32, Ian McCulloch... Ian... ah, sim. Aos 40, Ian McCulloch - caraças homem - pára de beber, vê lá essa pança ridícula, tira os óculos de sol e olha para o espelho. Já não tens 20 anos, essa cena toda de rock star é simplesmente patética.
<p>Por outro lado, <a href="https://twitter.com/RealTimBooth">Tim Booth</a>, podes aparecer para jantar sempre que quiseres. Mando-te a morada assim que estiveres para aí virado.
<p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzxuWzVTtbEsHtpB89Kryfl29rQV3dMN6E30WHM6eFyP0c4xCzRrTefXROortBiOp6dPiDZWSxw4eG4IWDjY5Axv_70x1Y5T1u8gxbh0uZ_3AyWnmN70mo-SUFbhnf945l1UBh/s1600/P1180012.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzxuWzVTtbEsHtpB89Kryfl29rQV3dMN6E30WHM6eFyP0c4xCzRrTefXROortBiOp6dPiDZWSxw4eG4IWDjY5Axv_70x1Y5T1u8gxbh0uZ_3AyWnmN70mo-SUFbhnf945l1UBh/s1600/P1180012.JPG" data-original-width="570" data-original-height="450" /></a><p><small>| o menino mijão | bruxelas | agosto 2015 | </small></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-489708458551965182017-06-22T09:38:00.002+01:002017-06-22T09:38:42.789+01:00A ludopatia da catarseEsta é uma história verdadeira. Como o Fargo.
<p>Morreu há cerca de 17 anos um grande escritor. Tinha, como todos os homens, os seus defeitos. Mas à medida que os anos passam, tudo fica para trás e 17 anos depois, qualquer homem é sobretudo virtudes. Até que outros tantos anos depois mais ninguém se lembre dele.
<p>Foi então 17 anos depois que, um daqueles jornalistas dignos de dar nome à profissão, durante as suas horas vagas, se dedicou longamente a meter-se naquela cabeça e a tentar recriar um pouco da sua vida. Havia demasiadas pontas soltas e direcções contraditórias.
<p>Através de uns amigos mais próximos, ficou a saber-se que ele era apaixonado por Xadrez. Tinha um nível médio para um jogador ocasional e jogava regularmente on-line. No final dos seus jogos, 10 ou 15 minutos após o seu término, perdidos ali naquele servidor, dedicava-se a escrever sobre a sua própria vida, dentro da zona dos comentários ao jogo que tinha acabado de jogar.
<p>E era assim que, sem que ninguém o pudesse saber, naquele confessionário ao ar livre, discorria sobre os seus ódios secretos, os seus problemas cardíacos, a educação dos seus filhos e a sua vida íntima. Na certeza que nunca mais ninguém voltaria a olhar para aquelas partidas e, ainda que o fizesse, não percebesse nada de português. Ou ainda que o fizesse que não fosse capaz de os associar a si. Ou ainda que o fizesse que não lhes desse uma sequência cronológica.
<p>E foi assim que, 17 anos depois, ficamos a saber que a sua mulher tinha dormido com um cozinheiro libanês, que ele achava insuportável os dirigentes do seu partido, que os seus filhos ultrapassaram doenças graves, que tinha fantasias com actrizes de novelas brasileiras. Tinha escrito também alguns poemas secretos a uma amiga de infância com quem se havia cruzado nos últimos anos de vida.
<p> Mas estes eram medíocres e não mereciam ter sido descobertos. Da mesma forma que as suas partidas de Xadrez, cheias de erros elementares.
<p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCMJEqMSBad3PIQM6gKcD9_0nWAl6DhvkDUwAcm8YxdNlDsvptqWI1feHjLLC9__Fx6qk6El7BTADyffeyfCmmhfe0-e3kBaNW5GUNN-wIsYNZ4-QuO71C6uUVAduaJsCcPu1K/s1600/P1210404.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCMJEqMSBad3PIQM6gKcD9_0nWAl6DhvkDUwAcm8YxdNlDsvptqWI1feHjLLC9__Fx6qk6El7BTADyffeyfCmmhfe0-e3kBaNW5GUNN-wIsYNZ4-QuO71C6uUVAduaJsCcPu1K/s1600/P1210404.JPG" data-original-width="560" data-original-height="400" /></a><p><small>| pinacoteca de brera | milão | 2016 |</small></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-22596688152983127532017-06-15T16:15:00.002+01:002017-06-15T16:15:20.227+01:00Mas o que é isso...?Uma rede social, segundo o dicionário da academia de letras de Tiblisi, não tem nada a ver com o que se segue. <br>
É um homem sentado numa sala onde brincam crianças, de olhos pousados no vazio, incapaz de manter a cabeça vertical. <br>
É um bando de idiotas a destruir uma estátua no meio de uma cidade. <br>
É um adolescente que nunca leu Júlio Verne, nem consegue ler 3 parágrafos consecutivos de um texto.<br>
É alguém que procura rapidamente no Google o significado do número 42, quando percebe as inexplicáveis gargalhadas que ouve de um grupo de velhos sentados ao seu lado na mesa de um café. <br>
É um retrato de alguém cujo comentário adequado seria «estás horrível, apaga isso e da próxima vez não faças esse sorriso idiota», comentado com «estás lindo». <br>
É uma pessoa só, deitada no seu sofá, incapaz de apreciar em silêncio um filme de duas horas sem que se interrompa voluntariamente desse prazer. <br>
São dois amigos que não jantam juntos há meses, anos, décadas. <br>
São deputados cheios de vaidade à frente do seu telefone.<br>
É um concerto transmitido em directo em 4G para meia dúzia de likes.<br>
São dois carros a alta velocidade no meio de uma cidade que se espetam contra o lancil de um passeio.<br>
É um doido à solta num quarto de hospital, enquanto um desgraçado carrega na morfina para dormir melhor.<br>
É um homem a cagar sossegado enquanto vê fotografias de vedetas americanas.<br>
É um medo de um exame médico que nos toma o corpo e do qual nunca falaremos a ninguém.<br>
São 4 pessoas caladas sentadas à mesa com os seus telefones à frente.<br>
É usar 300 palavras de vocabulário pa se xprimir, e screver lol no fim de cada frase, n'é? lol.<br>
É ninguém saber do que se trata, és apenas tu e eles, que eu cá não percebo nada de georgiano e apesar de não parecer, ainda não estou bêbado. Só se estivesse é que o diria. Hã?<p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlrj7Ys-WEDs4W53d8HjuLIFjJUn5R_29b7PwoA0drGgE1htB4-lRqwI-qIJqoWRQqdITeZ2ugPG4DS0wKD4_Vwqgpvrdg4U3X1LdrjV3uOTQGz4KM5a-Z_kqz2TfAf2G3g1BY/s1600/P1220433.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlrj7Ys-WEDs4W53d8HjuLIFjJUn5R_29b7PwoA0drGgE1htB4-lRqwI-qIJqoWRQqdITeZ2ugPG4DS0wKD4_Vwqgpvrdg4U3X1LdrjV3uOTQGz4KM5a-Z_kqz2TfAf2G3g1BY/s1600/P1220433.JPG" data-original-width="560" data-original-height="450" /></a><small><br>| Zelândia | maio 2017 | </small></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-34778280633040369442017-06-10T08:55:00.000+01:002017-06-10T08:55:42.355+01:00Princípios simples XXXIIQuem é ignorante não é livre.<br /><br />
<p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1rT4QUzIlup_-iomh0IhwarFrSnxYzYIVFUgnpAuqM9ydsQZnaIeyU2DZ0FmNR9AITRV4BIn7rRkp3ZPP98sntXTinJrltfSoHUVgx0KiBWsljCUCmGMXjmC8AiV7W4j4Bg_9/s1600/IMG_2702.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1rT4QUzIlup_-iomh0IhwarFrSnxYzYIVFUgnpAuqM9ydsQZnaIeyU2DZ0FmNR9AITRV4BIn7rRkp3ZPP98sntXTinJrltfSoHUVgx0KiBWsljCUCmGMXjmC8AiV7W4j4Bg_9/s1600/IMG_2702.JPG" data-original-width="610" data-original-height="550" /></a>
<br />
<p><small>| o átrio das torres proximus | bruxelas | junho 2017 | </small></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-40429580426768602082017-06-08T15:16:00.003+01:002017-06-08T15:16:43.840+01:002017, o ano que passou.Passou 2017. Ainda não passou exactamente, mas olho para o calendário e vejo que não está longe o fim.
<p>
Passou 1984 há muitos anos atrás. Estava em Darque de férias com o resto da canalhada. Discutíamos entre nós para onde gostaríamos de ir viver enquanto adultos. Podíamos estar horas a discutir se Inglaterra era melhor que França ou se alguém poderia usar como resposta "América". Era relativamente evidente que ninguém podia responder América. Qualquer outra resposta era vagamente plausível mas nem uma criança acreditaria que alguém poderia algum dia ir de Darque para a América. Seria mais plausível querer ser astronauta.
<p>
O futuro estava muito longe mas a morte estava mesmo ali ao virar da esquina sem que ninguém desse por ela. Sem qualquer supervisão íamos para o rio Lima de manhã e de tarde. Nem adultos, nem coletes, nem muito juízo. Atirávamos torrões, apanhávamos camarões e deitávamos a mão àqueles que se atrapalhavam porque mal sabiam nadar. Era preciso cuidado quando a maré subia: a corrente puxava e certas ilhotas ficavam isoladas. Havia um puto mais velho, com 13 ou 14 anos que pastava as vacas ali no meio. Certo dia uma das vacas não conseguia sair dali e lá fomos todos em bando a correr para assistir impotentes ao desespero do rapaz.
<p>
Passou quase 2017. Não faço ideia onde está um único daqueles meus companheiros. Na altura eram os meus melhores amigos. Não me lembro de um único nome. Lembro de me atirar à água para lhes dar a mão. Lembro de pensar que ficaríamos ali os dois enquanto bebia demasiados golos de água do rio Lima com os olhos abertos na água castanha. Lembro-me de a minha mãe me dar 100$ que gastei em chicletes que custavam 1$ cada. Lembro-me de achar que a minha mãe não estava a falar a sério quando me disse que podia fazê-lo. Lembro-me que o homem da mercearia de Darque me vendeu as chicletes sem ter a certeza se o deveria fazer. Lembro-me de ser pasto dos mosquitos ao final do dia.
<p>
Nunca pensei que algum dia pudesse ter saído de Darque para o mundo. Nunca pensei que pudesse gostar tanto da minha terra tão bonita (a minha mesmo, não Darque - acho que só voltei a Darque para ir a um hipermercado. Aquilo agora é uma terra a sério). Nunca pensei que me pudesse custar tanto deixá-la para trás. Nunca pensei pensar que deixá-la só podia ter sido o melhor que me podia ter acontecido.
<p>
Em 2017 não é preciso esperar que nos cheguem as notícias através do Jornal da terra, trazido em mão por alguém que nos visita. Pode-se saber tudo abrindo o Facebook, assistir ao banal e perguntando-se como pode tanta gente perder tanto tempo com tão pouco. Imaginar o principezinho passeando-se pelo meio daquilo tudo a repetir como um bêbado cambaleante: "o essencial é invisível ao olhar...". Saber que ninguém na verdade quer saber do Convento de Cristo, nem estariam dispostos a dar 50€ do seu salário para o salvar. Saber que ninguém quer saber de ninguém para nada, que todas as fotos patéticas são bajuladas. Que os vídeos engraçados são uma montra de quão engraçada é a mediocridade geral. Que poucos defenderiam o Salvador como colega de trabalho se não fosse agora o Ronaldo da Eurovisão.
<p>
E depois ouvir lentamente o Mark Kozelek escrever sobre a minha terra (a tal que não é Darque).... E depois emocionar-me ao saber que ele fala verdade quando diz que quer as suas cinzas espalhadas no Douro... E depois fazer um sorriso amarelo e pensar que ele não percebeu nada do assunto... E daqui a umas semanas voltar ao Facebook para ter a certeza que não ando a perder nada e confirmar que não. Não ando a perder nada e que só se perdeu aquilo que não se fez. Como daquela vez que, cheio de pudor, não beijei alguém na boca. E essa mulher já morreu. E saber que ninguém no Facebook saberá disso nem quer saber dessa merda para nada. Nem eu na verdade.
<p>
E apreciar uns poucos amigos. Aqueles que não precisam de likes. Rir com o seu sarcasmo. Ler as palavras simples e sinceras de quem gosta de nós e saber que isto no fim de tudo se resume a coisas muito simples tão difíceis de explicar. E para isso não é preciso Facebook para nada. E guardar escondido aquele medo de não me lembrar do nome de alguém, como se não me lembrasse de mim próprio.
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyVpoch-3xhSaPOrIWNDRgUdShyphenhyphendVOJXxXQ0GtVZIBH9OaA_L318cFZdPQcwy06kW6noY_PpatEW-Iu3jJfwhFF6wIz81cI6XN6DDEPDQRE4H6AigGrlk7MLcM3RiHBwmJrY6s/s1600/P1220002.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="500" data-original-width="610" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyVpoch-3xhSaPOrIWNDRgUdShyphenhyphendVOJXxXQ0GtVZIBH9OaA_L318cFZdPQcwy06kW6noY_PpatEW-Iu3jJfwhFF6wIz81cI6XN6DDEPDQRE4H6AigGrlk7MLcM3RiHBwmJrY6s/s1600/P1220002.JPG" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<small>|Museu Neanderthal | Mettmann | Abril 2017 |</small></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-17345309410456416712017-03-31T11:01:00.001+01:002017-03-31T11:01:51.980+01:00As asinhas ficaram em casa.Esta manhã, na habitual tragédia viária em que se transformaram as ruas de Bruxelas, à saída de um cruzamento, um carro aguarda a sua vez para poder entrar na rue de la Loi. Atrás dele outro carro. À frente dele outro carro. Atrás daquele outro carro, um autocarro e lá dentro um motorista poeta. Ou não exactamente, antes poeta-melómano.
<p>
Aquele tempo de espera na bicha, aquele compasso lento e doentio é algo que é mais do que expectável. É um fado diário. Sentado no seu posto de trabalho, o motorista sabe o que o espera: semáforos verdes e viaturas com um único ocupante. E tempos de espera.
<p>
Ainda assim, perante tudo aquilo o motorista decide tocar a corneta do autocarro. Impávidos os carros não reagem. Mas na sua cabeça o motorista imaginou que aquela corneta soaria para os peões que pedonavam como se fosse o último álbum da Enya e não como aquilo a que soou: o barulho de uma besta atrás de um volante.
<p>
Mas imaginou ainda melhor: lentamente e ao som da música, asas ligeiras, leves, claras e felpudas, abrir-se-iam lentamente dos lados de cada um dos automóveis à sua frente, permitindo assim que a rue de la Loi se transformasse no habitat de bandos de pássaros futuristas transportando formiguinhas a caminho das suas 8 horas diárias. A música tocando continuamente enquanto o fluído avícola o libertava da pena de conduzir diariamente, sob uma nunca nomeada tortura, aquela pequena máquina chamada autocarro.
<p>
Ninguém lhe enfiou uma bofetada nas ventas. Bastou que o semáforo voltasse a ficar de novo vermelho.
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCKGUlerryy-N_jY5stssgbTwgElBGH6Wo8kaieQAdd_5CenDDs-_jCNSE4WzRRVhrQlKFbTran9Rxndk_FihHyKRx9ClsFgxsBv-410Pp7CLoWpxrg-kSQBpEAMYzNe-TaXD2/s1600/IMG_2528.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCKGUlerryy-N_jY5stssgbTwgElBGH6Wo8kaieQAdd_5CenDDs-_jCNSE4WzRRVhrQlKFbTran9Rxndk_FihHyKRx9ClsFgxsBv-410Pp7CLoWpxrg-kSQBpEAMYzNe-TaXD2/s1600/IMG_2528.JPG" /></a></div>
<p>
<small>| hora das sandes | bruxelas | bélgica | 2017 |</small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-68555549386445186742016-01-19T16:36:00.000+00:002016-01-19T16:38:25.057+00:002 anos depois.Janeiro de 2014. Fecho os olhos. Acabou-se o ALT. Algures nos Estados Unidos um disco duro apaga-se para sempre. Tenho lá escritos, muita parvoíce pegada, alguns amigos.
Os discos são feitos para se apagarem. Os servidores serão todos enterrados num dia qualquer ainda por definir com exatidão. Mas no dia em que nos apagarmos nós próprios, nenhum servidor poderá saber aquilo que nos tocou numa noite às escuras. Um bébé que chora, um telefonema a anunciar a morte de um amigo, um relâmpago que dispara os disjuntores do quarteirão, uma mãe que decide cruzar um braço de mar com o seus filhos nos braços, um servidor desligado com gente lá dentro. Tudo esquecido no turbilhão da eternidade.
<p>
No dia seguinte, no entanto, que ninguém se engane: todos os despertadores tocarão indiferentes e a máquina de triturar gente continuará a trabalhar lentamente. <br />
<p><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilelcpWn6BU1aOac8rpeMUmY9MvlppLEa4ccyerUKuEtOzohq9CNFto3VBF6zxQEIjhwERSvfle-Pd_69xKUXJQ3kf41uYLTURgylvTu_dQO1V3N99KSCKysesSybzhRBn-zyA/s1600/P1130595.JPG" imageanchor="1"><img border="0" height="427" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilelcpWn6BU1aOac8rpeMUmY9MvlppLEa4ccyerUKuEtOzohq9CNFto3VBF6zxQEIjhwERSvfle-Pd_69xKUXJQ3kf41uYLTURgylvTu_dQO1V3N99KSCKysesSybzhRBn-zyA/s640/P1130595.JPG" width="640" /></a>
<br /><p>
<small>| Porto | Serralves | Janeiro 2014 |</small><br />
<br />
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-34384087803186998762015-04-17T14:03:00.001+01:002015-04-17T14:03:58.761+01:00Telescola em directo para o ParlamentoLuís Montenegro, radiante, explicava há pouco, metendo os pés pelas mãos, algo que deveria ser surpreendentemente simples para uma criança de 11 anos.
<p>
Diz o seguinte, o líder da bancada parlamentar do PSD, que é um dos esclarecidos dirigentes deste país:
<p>
"<i>Nós agora temos um programa onde está previsto (...) que em 2016 a nossa economia vai crescer 1,6%, em 2017 vai crescer 2%, em 2018 e 2019 vai crescer 2,4%.
Isto significa que em 4 anos temos uma projecção de crescimento de 8,4% do nosso produto.</i>" (<a href="http://www.gppsd.pt/news_v.asp?id=4432">ao minuto 05:25</a>)
<p>
Eu ouvi isto em directo (obrigado <a href="http://tsf.pt">TSF</a>) e não pude acreditar naquilo que ouvia. Estou certo que devo ter sido uma das quatro ou cinco pessoas deste país a ficar incrédulo. E não me admira que o país esteja como está, com este tipo de apreciação da realidade.
<p>
Estou a imaginar-me a dever dinheiro a este senhor. Seria uma maravilha. Ora vejamos. Ele empresta-me 100.000€ a uma taxa de juro de 5% ao ano. Eu digo-lhe então: <br>
<i>-Sr. Luís Montenegro, daqui a 4 anos, pago-lhe 20% de juros, logo 120.000€. É isso não é?<br>
-Está certíssimo Sr. JoaoLuc! </i>
<p>
Em resultado da capacidade de cálculo do nosso líder parlamentar, ficaria a ganhar com esta manobra mais de 1.500€.
<p>
Este tipo de analfabetismo é muito grave. Vejamos o que acontece sempre que se discute p.ex. o aumento dos salários. Analisemos a hipótese de alguém que teve o salário congelado durante 4 anos.
<p>
Se a taxa de inflação média for de 3,5%/ano, qual é a perda efectiva de poder de compra? 14% responderá Luís Montenegro ou um sindicalista mais distraído. Aumentamos os salários 14% e ficamos quites, ok? E lá iam 0,75% de poder de compra para o espaço (mais de 100€/ano, num salário de 1000€).
<p>
Bem sei: tudo isto é mais chato que uma emissão da telescola e muito menos interessante que um gatinho do facebook. Eu próprio já estou a precisar de um café. Cheguei a pensar fazer isto com juros de empréstimos entre amigos e apartamentos comprados a crédito em Paris, mas dava imenso trabalho e alguém ainda podia levar a mal. Alegadamente.
<p>
<img src="https://dl.dropboxusercontent.com/u/1799479/Fotografia/2015/IMG_0216.JPG"><br>
<small>|entre a STIB e uma galeria comercial ou vice-versa | bruxelas | 2015 |</small>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-43603287269574639482014-11-12T15:10:00.000+00:002014-11-12T15:10:06.312+00:00Teoria de classes.Começa a caminho da escola. De uma escola qualquer. Também pode ser no regresso. Pode chover ou estar calor. Pode ser em Portugal ou em Luanda. Pode voltar a acontecer mas também pode nunca ter acontecido.
<p>
"Mas há mesmo ladrões, pai?" "Pois claro, olha o vidro do carro do pai da L. ali partido."
<p>Com um certo delírio, o homem começa a explicar: há vários tipos de ladrões. Os que partiram o vidro do carro, provavelmente roubaram qualquer coisa que encontraram dentro do carro. O vidro deve ser mais caro do que aquilo que roubaram. Tudo normal? Ok, mas o homem continua. Esses ladrões vivem aqui perto e roubam coisas que valem pouco dinheiro. E podem ser perigosos. Mas não são os que mais roubam. Os que mais roubam são outros.
<p>
"Quem?" - pergunta a criança. Ou façam de conta que pergunta. Ou perguntem vocês.
<p>
Há homens que parecem pessoas muito importantes, andam bem vestidos, mandam em muita gente e controlam bancos, câmaras municipais, grandes empresas e outras coisas muito importantes. E como podem fazer tudo que lhes apetece, roubam muito mais dinheiro. E esses não parecem ladrões. Não partem vidros. E ninguém sabe o que eles roubam.
<p>
Isto estava já a afastar-se um pouco da realidade terrena. Não havia qualquer necessidade de entrar tão rapidamente nas camadas altas da atmosfera. Portanto, surge a pergunta que se impõe para acabar com o delírio:
<p>"-Mas então porque é que andam bem vestidos?"
<p>
<img src="https://dl.dropboxusercontent.com/u/1799479/Fotografia/2014/P1160207.JPG"><br>
<small>| furadouro | outubro 2014 |</small><br>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-77555194824903469962014-11-11T11:50:00.002+00:002014-11-11T11:51:42.385+00:00História com final infelizA senhora acordava todas as manhãs. A senhora acordava mas era sempre um pouco tarde. Porque o despertador das outras senhoras também as acordavam à mesma hora. Ou a outra hora. Mas todas saíam de casa à mesma hora. Mas nenhuma delas usava o autocarro ou o metro. Nos seus automóveis dirigiam-se para onde haviam de se dirigir.
<P>
A senhora tinha uma filha. Mas o carro não tinha onde parar. A filha tinha uma escola e havia que sair do carro todas as manhãs. E havia um certo atraso, por causa daquilo do despertador das outras senhoras. Ou do trânsito. Ou da chuva. Ou da própria filha que desrespeitava o tique-taque como se de uma mera convenção se tratasse. Era o mundo todo contra o resto do mundo todas as manhãs.
<P>
E ali à porta da escola, não havia grande alternativa. O carro só podia ficar em cima do passeio. As ruas estreitas, os despertadores, as horas, tudo isso a forçava a deixar o carro em cima daquele passeio. Ela preferia não o fazer. O ideal seria que houvesse um lugar livre todas as manhãs à sua espera. Infelizmente não era o caso. Ainda por cima, o espaço em cima do passeio era exíguo, obrigava a manobras. Pisca-pisca, chega à frente, chega atrás, chega outra vez à frente, pisca-pisca.
<P>
Num dos "chega-atrás" ela não viu uma criança que estava por trás do carro. E o carro lá a empurrou. O pai da outra criança bateu-lhe três vezes com as mãos no carro. E ela, como nem se apercebeu que havia batido na criança, ficou infeliz. Ou outra coisa qualquer que lhe mexeu com os nervos. Pobrezinha.
<P>
<img src="https://dl.dropboxusercontent.com/u/1799479/Fotografia/2014/P1160296.JPG"><br>
<small>| foge foge | novembro 2014 |</small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-90757219068432163732014-04-16T17:17:00.000+01:002014-04-16T17:17:04.164+01:00Entroido 2014Mais um diaporama. Parece-me que isto vai mesmo sem grande palavreado. <br>Ainda assim, são as fotos de Laza. <br>No carnaval de 2014.
<br>São melhor apreciadas se ocuparem o ecran todo (canto inferior direito) e se o som estiver bem alto.
<br>
<object classid="clsid:D27CDB6E-AE6D-11cf-96B8-444553540000" width="620" height="533" id="soundslider"><param name="movie" value="https://dl.dropboxusercontent.com/u/1799479/slideshows/entroido2014/soundslider.swf?size=1&format=xml" /><param name="allowScriptAccess" value="always" /><param name="quality" value="high" /><param name="allowFullScreen" value="true" /><param name="menu" value="false" /><param name="bgcolor" value="#000000" /><embed src="https://dl.dropboxusercontent.com/u/1799479/slideshows/entroido2014/soundslider.swf?size=1&format=xml" quality="high" bgcolor="#000000" width="620" height="533" menu="false" allowScriptAccess="always" allowFullScreen="true" type="application/x-shockwave-flash"></embed></object>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-50681046592748789542014-04-10T09:58:00.001+01:002014-04-10T10:01:24.892+01:00Que a terra lhe seja leve.Este texto, não exactamente este, mas uma versão com um pouco mais ou menos nexo, foi escrita há uns tempos para o projecto de um amigo. Esta é a versão possível.
<br> <br>
"<i>«Impalpàbile», além de impalpável, significa em italiano «em pó». No início de Janeiro, cumprindo um ritual repetido durante anos, verifiquei que não tinha acesso ao fotoalternativa. Por diversas razões, esse ritual tinha esmorecido e nesse mesmo dia fiquei a saber que o site havia acabado.
<br>
(...)
<br> <br>
O Alt é uma das coisas importantes da minha vida. Deu-me grandes amigos, viagens do caneco, noites em frente ao ampliador, gargalhadas de me pôr com asma e muita fotografia. E muito boa. E de uma auto-exigência implacável.
<br> <br>
O Alt é uma parte impalpável da minha vida. Desconhecidos a quem mostro fotografias da minha intimidade sem hesitar um segundo. Pessoas com quem gosto de discutir opiniões opostas, por respeito mútuo. O Alt é como a uma família longínqua, que vejo uma vez cada dois anos, mas com quem converso com gosto como se apenas tivessem passado três dias.
<br> <br>
Antes era impalpável, agora ficou desfeito em pó. Metaforicamente, parece-me. (...)</i> "
<br> <br> Naquela que é a entrada 500 deste blogue, parece-me adequado dedica-la ao Alt.
<br> <br>
<img src="https://dl.dropboxusercontent.com/u/1799479/Fotografia/2014/IMGP6661.JPG"><br>
<small>| laza | entroido | 2014 |</Small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-18479771195289939912014-04-09T13:12:00.001+01:002014-04-09T13:15:58.732+01:00E isso não se explicaHá coisas na vida que não se explicam a terceiros. O que é a paixão assolapada. O que é querer dormir e não conseguir. O que é uma dor de dentes. O que é o carnaval de Laza.
<br>
Mas pode sempre dizer-se que a vida sem isso é um bocadinho menos vida. Isso não explica, mas ilustra.
<br>
<img src="https://dl.dropboxusercontent.com/u/1799479/Fotografia/2014/IMGP6685.JPG"><br>
<small> | não, não é a morena | laza | entroido | 2014 |</small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com032620 Laza, Province of Ourense, Spain42.0609469 -7.461801299999933742.0550524 -7.4718862999999338 42.066841399999994 -7.4517162999999336tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-38643558335711103322014-03-06T14:38:00.000+00:002014-03-06T14:38:33.523+00:00Isto já esteve para fecharMas a vida prosseguiu. E num dia de sol, decidiu chover. Ou foi num dia de inverno que decidiu ventar. Ou num dia qualquer voltou a fotografar. Mas era com o telemóvel. Depois acabou-se a bateria e foi ver televisão num blogue. Ou era noutra coisa parecida.
<br>
Hã?
<br>
<img src="https://dl.dropboxusercontent.com/u/1799479/Fotografia/2014/IMGP6787.JPG">
<br><small>| entroido | xinzo das teixugueiras | março 2014 |</small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com232821 Xinzo das Teixugueiras, Province of Ourense, Spain42.2490877 -7.989601200000038342.2461492 -7.9946437000000383 42.252026199999996 -7.9845587000000382tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-39022400484066566232013-11-06T10:24:00.000+00:002013-11-06T10:25:43.449+00:00Mas o blogue não era meuTive durante muitos anos um blogue brilhante. Já vos disse? Era um blogue que comentava todos os temas da actualidade. Eu sabia de economia e futebol à segunda. Discutia literatura e licenciaturas de políticos xungas à terça. Mostrava brilhantismo a falar de música underground americana e puericultura. Eu era um exemplo de virtudes e o mundo à minha volta ruía em defeitos e decadência.
<p>
Até que o blogue morreu. É que o blogue não era meu. E eu não era eu.
<p>
Havia outro muito mais fraquinho. Sem brilhantismo nenhum. Como eu. Mas esse não morreu. Digamos que está em êxtase. Como eu.
<p>
<small>(Por causa da <a href="http://ncliente.blogspot.pt/2013/11/comecar-do-zero.html">Lígia</a>)
<p>
<img src="https://dl.dropboxusercontent.com/u/1799479/Fotografia/2013/IMGP5743.JPG">
| entroido | laza | março 2013 | </small>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-63622652632906549322013-02-28T16:50:00.000+00:002013-02-28T16:50:19.062+00:00Crónica do país à esperaDou por mim a pensar como é que se pode explicar Portugal a alguém que não o conheça. Em Espanha as manifestações são sempre muito manifestadas. Na Grécia os partidos políticos tradicionais desfizeram-se e desapareceram como areia fina numa peneira. Em Itália descobre-se que o primeiro-ministro vale pouco mais de 10%. Que a um palhaço de brincar os italianos preferem um a sério. Em França as greves param efectivamente o país e toda a gente pára porque só assim se pára o país. Em Portugal não. Em Portugal nada.
<p>Portugal é um país de gente à espera. À espera primeiro que tudo que acabe a crise. Como se a crise fosse acabar amanhã ou depois. Em Portugal espera-se que esse milagre do fim da crise surja um dia como uma tempestade de verão; que os impostos desçam; que os salários subam; que as reformas deixem de ser confiscadas; que a segurança social deixe de servir para pagar juros da dívida.
<p>Em Portugal espera-se que o governo caia. Que o Paulo Portas faça uma fita das dele. Que os militantes do PSD se encham das aldrabices que lhes contam. Que no parlamento surjam à direita meia-dúzia de deputados com espinha dorsal (na realidade seriam necessários 18). Que o Miguel Relvas perca o sorriso amarelo. Que o Vitor Gaspar arrume o livro de merceeiro. Que o Álvaro volte a escrever em blogues e deixe de vender o país ao desbarato.
<p>Depois, secretamente, espera-se que António José Seguro nunca chegue onde chegou Passos Coelho. Espera-se que ele diga qualquer coisa que não seja uma banalidade. Espera-se que os militantes do PS escolham alguém que não seja um carreirista, que tenha algum relevo intelectual, profissional ou social. Espera-se que no PS floresça uma ideia de esquerda. Ou uma ideia diferente das que têm proposto nas últimas décadas.
<p>Os portugueses esperam que o presidente seja mais do que a figura patética que é. Espera-se que tenha mais utilidade que um naperon decorativo pousado numa mesinha velha num corredor onde passam leis, documentos e papelada para serem assinados de cruz.
<p>Espera-se que lá fora (no estrangeiro) ninguém ache que somos mal comportados. Ou preguiçosos. Ou que apesar de enterrados até ao pescoço iríamos algum dia de deixar de sorrir e receber de braços abertos quem nos enterra. Ou que pensem que há quem sofra porque não vai ao médico ou porque os filhos não podem estudar ou porque não pode ligar o aquecimento ou porque tem que emigrar. Ou que pensem que há gente a quem lhe salta a tampa e decide matar-se do cimo de uma ponte ou numa linha de comboio. Espera-se que ninguém desconfie do que é óbvio.
<p>Espera-se que juízes, procuradores e muitas toneladas de leis tenham mais utilidade do que fazer pagar multas fiscais, fazer evaporar os subsídios de férias e de natal ou prender manifestantes. Espera-se que um dia, o conselho de administração do BPN seja preso. Que a elite política do país seja acusada de cumplicidade com a marosca. Que quem faça as leis não seja quem primeiro as desrespeita. Que o governo cumpra a Constituição com mais zelo do que qualquer ministro cumpre o código da estrada.
<p>A alguém que não perceba o que aqui se passa teríamos que dizer que ainda estamos à espera de perceber se a troika se enganou sem querer ou de propósito. Que ainda estamos à espera que tudo se resolva amanhã, apesar de nos terem dito que seria ontem. Que estamos à espera que o país vá para melhor, apesar de andar para pior ano após ano. Que estamos à espera que quem criou o problema o resolva.
<p>Esperam que chova? Não isso não. Aqui faz sempre sol. Olhando para o estado do tempo é o que se espera para sábado. E eu espero-te lá. Lá onde? Se não sabes, descobre. Não fiques à espera.
<p>
<img src="https://dl.dropbox.com/u/1799479/Fotografia/2012/P1100387.JPG"><br>
<small> | à espera | oeiras | 2012 |</small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-31804874169263307392012-11-29T11:36:00.001+00:002012-11-29T11:36:34.065+00:00O Haiti não é aquiEsta manhã encontro uma amiga pela rua abaixo. A conversa deixa rapidamente de ser de circunstância. Saca rapidamente de uma navalha indagatória para me questionar onde é que no mundo se pode viver. Eu não sei. Eu achava que se podia viver ali mesmo naquela rua. Eu ia apenas pela rua abaixo, ia trabalhar, não ia a pensar no mundo. Nem sequer ia trabalhar para ser feliz. Ia trabalhar para poder viver. Para poder ligar a televisão à noite e poder ser gozado pelo primeiro-ministro. Ia trabalhar, como quem corre para ganhar lanço para saltar o triplo salto, para poder passar por cima de 2013. Eu não sei essas coisas.
<p>
Mas é mais forte que nós. Quando nos perguntam uma coisa qualquer, temos que nos mostrar inteligentes. Temos que mostrar uma resposta que dê sentido ao mundo. Eu respondi: Brasil. Claro. Os americanos andam preocupados em colonizar Marte; os portugueses com a colonização do Brasil. Funcionou para todos antes de nós. Há-de funcionar para nós também. Espero.
<p>
Depois recebo na minha caixa do correio uma mensagem que diz: "Somos Menezes". Eu não sou Menezes. Na minha família ninguém é Menezes. Eu acho até que nunca dei o meu endereço de correio electrónico a nenhum Menezes. Aquilo deve ser spam (que é como o google se refere ao lixo que nos chega ao correio). Eu não sei. Mas, como sou débil, vou ler o que se trata.
<p>
Na Rússia, o presidente não pode ser presidente mais do que duas vezes consecutivas. Putin resolveu isso de forma elegante: foi acolá dar uma perninha como primeiro-ministro - o que pode ser visto como uma despromoção temporária - e depois voltou para ser presidente. As democracias não precisam destas manobras, aliás dispensam-nas bem.
<p>
Em Gaia, o presidente não pode ser presidente mais do que três vezes consecutivas. O Menezes resolveu isso de forma elegante. Vai ali ao Porto dar uma perninha como presidente. Neste caso deve ser visto como uma promoção. Gaia é maior, tem mais gente, melhores vistas, teleférico e até tem o El Corte Inglês. Mas o Porto é o símbolo; a medalha que melhor fica na lapela. Por cá a manobra vai passar como um exemplo. Estou certo que outros cidadãos o seguirão.
<p>
O email deve ter razão: Em Portugal somos todos Menezes. Vamos-nos safando com esquemas, saltando pocinhas e tornando a democracia criativa. Todos? Excepto essa minha amiga que anda a pensar exilar-se. Ou eu que tenho que trabalhar todos os dias, sem tempo para ser criativo na interpretação de leis.
<p>
Penso no Haiti. O Haiti não é aqui.
<p><img src="https://dl.dropbox.com/u/1799479/Fotografia/2012/P1090172.JPG">
<p><small>| tervuren | 2011 |</small>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-30650802943360712892012-11-13T11:48:00.001+00:002012-11-13T11:48:45.269+00:00É que amanhã não há café.Relembro-me do que escrevi a <a href="http://joaoluc.blogspot.pt/2012/09/eu-tambem-tenho-37-anos.html">14 de Setembro.</a> Não tenho vontade de dizer mais nada sobre o assunto.
<p>
Apenas me resta acrescentar que uma greve geral deve ser também uma greve ao consumo.
Que não seja facturado 1 cêntimo de IVA amanhã. Que não seja consumido um único café. Que não se compre um só bilhete de metro. Que não haja um único pão fresco em casa alguma.
<p>
Amanhã é dia de usar o congelador. E a cabeça. Não esquecer.
<p>
<img src="https://dl.dropbox.com/u/1799479/Fotografia/2012/P1100501.JPG">
<br><small>| 15 set | porto | setembro | 2012 | </small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-89708452250617156852012-10-13T21:38:00.000+01:002012-10-13T22:51:55.072+01:00A culpa não é de Bruxelas.Há praticamente um ano atrás, fotografei a manifestação global de 15 de Outubro.
<p>
Um grupo de indignados tinha ido a pé desde a porta do Sol até ao parque do cinquentenário. Ao contrário do que diria o cliché, esperou-os nesse dia um belo sol outonal em vez dos míticos dias cinzentos que, segundo alguns, são típicos nos restantes 364 dias.
<p>
Não há outra cidade como Bruxelas. Ouço muitas vezes dizer que a culpa é de Bruxelas. A culpa não é dela.
<p><small>E porque me apetece, com uma dedicatória especial ao <a href="http://teatro-anatomico.blogspot.pt/">grande jornalista e escritor Jorge Marmelo</a>.
<p>
<object classid="clsid:D27CDB6E-AE6D-11cf-96B8-444553540000" width="425" height="346" id="soundslider"><param name="movie" value="https://dl.dropbox.com/u/1799479/slideshows/15O11/soundslider.swf?size=2&format=xml" /><param name="allowScriptAccess" value="always" /><param name="quality" value="high" /><param name="allowFullScreen" value="true" /><param name="menu" value="false" /><param name="bgcolor" value="#353c41" /><embed src="https://dl.dropbox.com/u/1799479/slideshows/15O11/soundslider.swf?size=2&format=xml" quality="high" bgcolor="#353c41" width="425" height="346" menu="false" allowScriptAccess="always" allowFullScreen="true" type="application/x-shockwave-flash"></embed></object>
<p>|carregar no canto inferior direito para ver em ecrã completo | </small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-46990186620274087452012-10-02T14:59:00.001+01:002012-10-02T15:45:28.844+01:00E fala português?A cena decorre à noite, no parque de estacionamento de um centro comercial.
O centro comercial está vazio. Há lugares de estacionamento livres. Há lojas falidas no rés-do-chão. Não há praticamente ninguém por ali.
<p>
Uma senhora vem ter connosco enquanto arrumo as compras. Pede umas indicações. Enquanto me viro, com os seu sotaque sul-americano, pergunta-me: "Fala português?". Eu nem sei se acredite no que ouço. Limito-me a sorrir e a dizer que sim. Que mais se pode dizer?
<p>
E depois ponho-me a pensar de onde vem semelhante pergunta. Quem nos observa lá de longe não fala português. Quem nos questiona do cimo dos pedestais não fala. Quem nos apascenta por aqui e por ali, não fala. Quem decide o que se passa não fala. Às vezes nem nós falámos. Ninguém parece saber do que fala, não é?
<p>
Esta short story é o melhor insight que se pode ter sobre os accomplishments recentes dos portugueses e das casualties que se anunciam em virtude do downsizing dos próximos anos. Poor us.
<p>
Estamos quilhados amigos. Os centros comerciais ficarão vazios. O país também. Quilhadinhos, amiguinhos, quilhadinhos... Valha-nos a América do Sul.
<p>
<img src="https://dl.dropbox.com/u/1799479/Fotografia/2012/P1100564.JPG">
<p><small>| restauradores | lisboa | setembro de 2012 |</Small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-111044655325708982012-09-14T21:38:00.001+01:002012-09-14T21:49:39.528+01:00Eu também tenho 37 anos.De um dia para o outro parece que o país acordou para duas coisas: o vernáculo e a estrumeira onde estamos enfiados até à ponta do nariz. O vernáculo não me merece comentários: sou do Porto.
<p>
Não estamos em Fevereiro de 1979, nem me apetece escrever um texto de um jorro só. Não me faltam dentes. Tenho 37 anos.
<p>
Há quem atire culpas para os de trás, há quem atire culpas para os da frente. Há quem ouça música. Há quem ache que se pode marcar uma linha arbitrária num calendário a partir da qual (apenas a partir da qual) vale a pena manifestar-se.
<p>
Os funcionários públicos e os reformados foram os bombos da festa. Mas como o dinheiro deles não chegou, a rave estendeu-se noite fora até aos cínicos que a observavam de longe. E estes, coitadinhos acordaram agora, cheios de vernáculo.
<p>
Mas no meio desta história custa ver que ainda não se percebeu nada. A única saída está numa redefinição política do panorama político português e numa recomposição institucional europeia, longe da lógica monetarista vigente e dos tratados que nos trouxeram até aqui.
<p>
A expedição punitiva que se dirigiu a Portugal ainda só se está a instalar. Mas se a querem receber convenientemente, isso implica deixar o vernáculo e começar a usar o cérebro.
<p>
Pode ir-se à praia em dia de eleições? Pode. Pode fazer-se de sonso quando há uma greve geral? Pode. Pode chamar-se preguiçosos aos professores? Pode. Pode discutir-se os direitos sociais dos outros como se de privilégios se tratassem? Pode. Pode passar-se a vida a votar no PS e no PSD? Pode. Pode achar-se que quem se indigna são uns radicais perigosos ou uns achados arqueológicos? Pode. Pode passar-se a vida sem ler um livro ou sequer um jornal? Pode. Pode andar-se a vida toda a fugir aos impostos e exigir que os outros os paguem? Pode. Pode seguir-se sempre a mais cretina lógica individualista? Pode. Pode nunca se sindicalizar e depois recorrer aos sindicatos quando as questões laborais roçam a escravatura? Pode. Pode o dinheiro definir tudo nas nossas vidas? Talvez não possa.
<p>
Mas depois não me fodam com o vosso vernáculo, bando de palonços.
<p>Amanhã vamos todos à manifestação. Mas saibam que aquilo que fazem tem consequências. Tal como aquilo que não fazem. E se outra consequência não haja que pelo menos tenha a consequência de vos fazer consequentes.
<p>
Ou dito de maneira que se perceba: se querem que o país mude amanhã, são vocês que têm que mudar. É que visto daqui, o país são vocês.
<p>
Até me fazem falar mal.
<p>
<img src="https://dl.dropbox.com/u/1799479/Fotografia/2012/P1090469.jpg"><p>
<small>| a puta da florzinha | gerês | março 2012 |</small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-30228106254107428202012-08-31T14:48:00.000+01:002012-08-31T14:48:20.472+01:00Princípios simples XXXVIIIOs outros somos nós.
<br>
<img src="https://dl.dropbox.com/u/1799479/Fotografia/2012/P1080278.jpg">
<br><small>| rue du noyer | bruxelas | 2012 |</small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-54908683581928880942012-08-03T13:33:00.002+01:002012-08-03T13:33:16.010+01:00Ficção sobre 2012Corre o ano de 2012. É um ano longínquo. Tão longínquo que nos podemos atrever a imaginar coisas excepcionais. Coisas muito mais excepcionais do que cuidados de saúde públicos de qualidade. Ou transportes públicos a preços simbólicos. Ou ensino universitário gratuito. Ou o fim do bacalhau mal demolhado nas cantinas.
<p>É um ano excepcional. Há carros que flutuam nas ruas. Ou melhor dito, por cima delas. No código da estrada foi introduzida a prioridade aos veículos que se apresentem em descendente, tal como há prioridade aos veículos que se apresentem pela direita. Excepto os comboios que têm prioridade também quando vêm pela esquerda. E os caças bombardeiros que têm prioridade mesmo quando se apresentem em ascendente.
<p>O rio Douro foi finalmente despoluído, a praia de Matosinhos deixou de ser conhecida como a praia do cagalhão. As pessoas podem ver a cara uma das outras enquanto falam ao telemóvel.
<p>O acesso à informação está de tal forma disseminado que é o ano em que, pela primeira vez e em virtude do desenvolvimento tecnológico, os cursos universitários podem ser feitos em apenas um ano. E as pessoas misteriosamente sussurram nas ruas: "Vai estudar Relvas". E já ninguém sabe quem é o Dantas e se ele morreu ou não.
<p>A sardinha é agostinha o ano todo. A nortada só aparece quando não está gente na praia e até a emissão da televisão pode ser parada para se ir aliviar águas num saltinho.
<p>Ah quem me dera poder viver em 2012. Ou noutro ano qualquer no futuro. Cabrões de vindouros.
<p><img src="https://dl.dropbox.com/u/1799479/Fotografia/2012/P1100077.jpg">
<p><small>| aos saltos bem altos | ribeira | porto | junho 2012 |</small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7475808.post-62133598638459723562012-08-01T10:56:00.002+01:002012-08-01T13:05:27.548+01:00Duas coisinhas de nada.Pondo o pé fora da porta, saindo de casa com o sol quente da manhã, eis que as primeiras palavras que ouço são: “então D. Adelaide [o nome é fictício para proteger os intervenientes], já estreou o seu bidé?”. De soslaio, por entre a nesga deixada pelos óculos de sol e o lado esquerdo da cara, observo a D. Adelaide [o nome é fictício para proteger os intervenientes, já disse isto, não já?] e invade-me o cérebro aquela imagem belíssima da D. Adelaide estreando o seu bidé [só o nome é fictício, o bidé deve ser real]. O picheleiro lá da esquina vai zelando com simpatia pelo bem-estar do quarteirão. Se bem que lá em casa o silicone do poliban tenha ficado bastante merdoso – e isto não é ficção.
<p>Matematicamente um anúncio deve ser exacto. Por exemplo: se alguém muda de linha na estação da Trindade, pode apenas mudar para uma linha. O quê? É isso mesmo. Se saio da linha A, só posso mudar para a linha B. Ou para a linha C. Ou para a linha D. Mas nunca para a linha B, C e D. Não posso mudar simultaneamente para três linhas. E então surpreende-me a exactidão com que a voz anuncia em inglês, com aquele sotaque tipicamente português (sotaque? que sotaque? perguntar-me-ão todos os que ouvirem aquele anúncio em inglês perfeito mas com aquele sotaque tipicamente português): “connection with lines A, B, C, E or F”. “Or?”, pergunto-me. Não seria “and?”, pergunto-me. E com orgulho penso que a língua foi usada de forma matematicamente correcta.
<p>Turistas, vinde acordar cedo. Não vos deixeis açoitar com queimaduras solares. Admirai a bela nação na bancarrota. E se virem portugueses a conversar de manhã bem cedo, ao sol da manhã, já saberão que discutirão bidés ou mapas de karnaugh. Um ou outro irá com a cabeça tomada por disparates.
<p>
<img src="https://dl.dropbox.com/u/1799479/Fotografia/2012/P1090460.jpg" />
<p><small>| a puta da florzinha | gerês | março de 2012 | </small>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/17299779183378598191noreply@blogger.com0