O Inflamado hispanismo de Saramago - E a sua condenação de uma guerrilha heróica

Os Editores    18.Jul.07    Colaboradores

Saramago
José Saramago, um escritor talentoso, merecidamente distinguido com o Nobel de Literatura em 1998, proferiu declarações que projectam dele uma imagem incompatÍ­vel com a grandeza da sua obra e as ideias que defendeu desde a juventude.

O Diário de NotÍ­cias, de Lisboa, e El Tiempo, de Bogotá, publicaram quase simultaneamente entrevistas com José Saramago que foram recebidas com espanto e motivaram justas crÍ­ticas em Portugal e na América Latina.

Na primeira (15.07.07) retoma a esfarrapada bandeira do iberismo para afirmar que Portugal desaparecerá como Estado nação. Ainda que não se assumindo como profeta, afirma que Portugal acabará por se integrar na Espanha. Ao ser-lhe perguntado se «seria, então, mais uma provÍ­ncia da Espanha», respondeu: «Seria isso. Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o PaÍ­s Basco, a Galiza, a Mancha e tÍ­nhamos Portugal. Provavelmente (Espanha) teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria.»

Na mesma entrevista informa que já não comemora o 25 de Abril e esclarece que se sentiria «irresponsável ao celebrar qualquer coisa de que não possa ver nenhum sinal, porque tudo que me trouxe desapareceu», não adiantando na condenação das polÍ­ticas ou na indicação dos responsáveis por tal “desaparecimento”.

Discorrendo sobre outros temas, declarou que Durão Barroso «não tem feito mau lugar» como Presidente da União Europeia e identifica em José Sócrates uma «incógnita», uma pessoa que não é capaz de entender.

Na entrevista concedida a El Tiempo – o grande diário de Bogotá, identificado com a oligarquia colombiana e o imperialismo norte-americano – desfere um ataque devastador contra as Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia – Exército Popular. O tÍ­tulo é expressivo do conteúdo: «A guerrilha colombiana é um exército de bandidos e narcotraficantes», diz José Saramago.
Simon Trinidad
O repórter quis saber o que pensa da «polÍ­tica do presidente Uribe perante a guerrilha».

Cabe recordar que Uribe, um polÍ­tico neofascista, o “melhor amigo” de George Bush na América Latina, foi o criador dos bandos paramilitares em Medellin, quando governador de Antioquia, época em que mantinha intimas relações com os cartéis da droga, tendo por isso sido então demitido do cargo de Director da Aeronáutica Civil. Naturalmente, ao visitar a Assembleia do Conselho da Europa foi vaiado.

Saramago respondeu: «Não há muita diferença entre a gestão do presidente Uribe e a gestão de outros presidentes anteriores.»
Marulanda
Quando o entrevistador, um anticomunista primário, lhe perguntou se ainda é comunista, definiu-se como comunista, mas, sublinhou que «ser comunista é um estado de espÍ­rito». Na sua opinião, da Revolução de Outubro nada de positivo sobrou, porque no caso da União Soviética «se inventou um capitalismo de estado».

Pela gravidade das afirmações feitas em ambas as entrevistas comentá-las exigiria um espaço não disponÍ­vel numa Nota Editorial.
Rodrigo Granda
Chamamos somente a atenção para duas questões.

1.Ao formular o desejo de ver Portugal transformado em mais uma região da Espanha, Saramago traz Í  memória o discurso dos portugueses que em 1640 optaram por El-Rei de Castela, opondo-se Í  Restauração, prólogo de uma luta pela independência que iria durar 28 anos.

2.Ao identificar no «horror da guerrilha» o grande problema da Colômbia, reduzindo a um «exército de bandidos» a mais heróica guerrilha do Continente Americano, Saramago coloca-se nos antÍ­podas de dezenas de prestigiados personalidades da intelligentsia da América Latina, que proclamam publicamente a sua solidariedade com os comandantes Rodrigo Granda e Simón Trinidad, sequestrados Í  ordem de Uribe e identificam Manuel Marulanda, comandante-chefe da organização revolucionária, como um herói das Américas.

Consideramos, entretanto, um dever cÍ­vico lamentar que um escritor tão talentoso, merecidamente distinguido com o Nobel de Literatura, tenha proferido declarações que projectam dele uma imagem incompatÍ­vel com a grandeza da sua obra e as ideias que defendeu desde a juventude.

Os Editores

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