Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


29 Novembro 2008

Uma Visão Futurista Inspirada no rei fanfarrão de Shakespeare, adaptada do libreto de Arrigo Boito e a ser lida ao som de Verdi. Trata-se de Falstaff, há precisamente dois anos publicada na revista brasileira «Desfolhar» (cujos links parecem já não funcionar), e que agora incluo no TecnoFantasia.com. Mais um conto experiência, o esqueleto de uma história épica, de uma grandiosidade operática, despida de todo o sentimento, de todo e qualquer intimismo e intrusão sentimental. Um texto resumo que se poderia encontrar no folheto de uma qualquer ópera ou peça musical, lido à pressa enquanto se aguarda o verdadeiro espectáculo. Também deste modo se pode escrever Ficção Científica.

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27 Novembro 2008

Novembro é o Mais Agreste dos Meses, que nos ilude com promessas de calor e eternidade e nos esmaga com a confirmação, aquando dos últimos dias, de que afinal o Inverno aproxima-se e estamos mesmo destinados ao pó. Entre doenças e viagens incómodas e outros afazeres, estivemos um pouco ausentes. Como costumava afirmar na minha anterior encarnação profissional (de constantes noitadas e fins-de-semana a trabalhar), a vida, ou neste caso, o site, segue dentro de momentos.

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21 Novembro 2008

O Fim da Byblos, Também Aqui. Um facto desconhecido no remoínho de vento provocado pela queda de um gigante que era mais ar que substância: estava prevista a realização de uma grande sessão de escrita criativa no dia 6 de Dezembro, totalmente enfocada sobre o género fantástico. Seria organizada por mim e com participação de alguns dos mais importantes autores publicados do meio, das várias gerações. Perguntam e bem: é possível ensinar alguém a escrever no género fantástico numa única sessão? Obviamente que é impossível, mas a intenção seria de abordar as principais diferenças e desafios inerentes ao género, e identificar as preocupações e atitudes que os autores deverão em ter em consideração ao pensarem iniciar qualquer projecto desta natureza.

A sessão encontrava-se a ser preparada desde o final do Fórum Fantástico. Contudo, a falta de notícias por parte dos responsáveis pela livraria a partir de determinada data conduziu a suspeitas da minha parte de que algo não andaria bem, e teve de ser a comunicação social a dar o coup-de-grâce à iniciativa (não, ninguém me comunicou sequer o cancelamento).

Lamento pela iniciativa, pela livraria e pelo fim de um projecto que à partida tinha uma visão interessante mas cuja concretização ficou muito aquém. Como aqui disse em tempos, para alguém que fica sem respiração em livrarias de bairro que se podem encontrar nos EUA (mega-espaços livreiros, com milhares e milhares de títulos até ao horizonte, verdadeiros templos do livro, que nada na nossa praça consegue minimamente igualar), o projecto sempre me pareceu sem alma, e mais importante, passe a declaração surpreendente, sem livros. (Embora como ponto positivo conseguissem distinguir a nível de prateleiras a Ficção Científica do Fantástico...)

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17 Novembro 2008

25 Dias de Pulp. «King, like any good pulp writer, is concerned not to let a single reader walk away puzzled. Ambivalence means failure. Sometimes this produces less a short story than a short narrative, told without compression in strict chronological order except for the odd flashback imported in the service of believable motivation, and worked out in such plain sight that it constantly second-guesses the reader's emotional intelligence and intuition.» M. John Harrison a respeito do mais recente livro de Stephen King, a colectânea Just After Sunset).


Wurst não queria acreditar no que via. Drücker, Günter, Timm, Jan, Niklas, toda a equipa da Contabilidade, aguardavam-nos de armas empunhadas do outro lado do hangar, cada um a bloquear a respectiva portinhola de saída. Todos, sem excepção, envergando uma farda de soldado raso da Deustch Wehrmacht com a suástica ao ombro.


Todos, sem excepção, com um olhar alucinado no rosto. Timm, o gorducho e bonacheirão Timm, tremia que nem varas verdes e suava debaixo do pesado capacete. Mas a arma continuava empunhada.


Apontadas a eles, aqui deste lado.


«Isto é uma loucura», pensou Wurst, sabendo que escolha o esperava. Sabendo o que estavam a pensar cada um dos dez homens naquele apertado espaço. Sentindo o calor da fornalha aumentar nas costas. Dizendo-lhe que a decisão não poderia demorar.


Limpou a testa com a manga. O suor já escorria, também nele, para lhe fechar os olhos.


- Isto não tem de acabar assim! - berrou, para se ouvir por cima da fogueira infernal. - Podemos trabalhar em conjunto!


Niklas engatilhou a arma. O som foi declaração suficiente. Mas ele ainda acrescentou:


- Deves pensar que isto ainda faz parte do team-building... As regras foram bem claras. Por cada um de vocês que escapar, um de nós morre.


- Temos as chaves de saída - Wurst ergueu um bloco articulado de metal. - Podemos escapar todos!


Lindd agarrou-lhe a mão bruscamente.


- És louco? Estás a dar-lhes mais motivos para acabarem connosco? - sussurrou.


- Mas... podemos escapar todos... juntos... - balbuciou Wurst.


- Isso não acontecerrá, senhorrr Wurrst - soou uma voz fininha, efeminada, nos altifalantes do hangar. - Ou julga que eu não terria pensado nisso?


Olharam em conjunto para cima, para uma redoma de vidro junto ao tecto que protegia um palanque de observação. Neste, sentava-se uma figura vestida de branco, rodeada de microfones, de contornos indistintos ante a distância. Na mão segurava um instrumento indefinido.


- A chave funciona só uma vez. Cada porrtinhola se fecha após um homem passarrr. Um homem e não mais. Quem ficarrr aqui morre assado... como frrrango!


E iniciou uma tirada de gargalhadas loucas.


Wurst não se conteve e apontou a espingarda para a redoma, mas os dois únicos tiros que conseguiu soltar foram ineficazes. Depois disso a arma apenas produzia cliques em vazio.


- Senhorrr Wurrst, acabou de gastarrr a sua munição! Veja se os seus camarradas foram assim tão idiotas...


Wurst sentiu um arrepio como nunca experimentara. Uma sensação de ameaça completa. Os antigos colegas de departamento, do outro lado da barreira, encaravam-no com uma satisfação animal. Pensando em como seria fácil retirar-lhe a chave da mão.


Apertou-a com força. Pela primeira vez, sentia o que os outros já tinham percebido. Havia apenas uma força de sair dali vivo.


Ainda que fosse à custa de...


- Basta de demorrras! Vamos darr início à festa! - e do alto empunhou o instrumento que trazia na mão, que se definiu e permitiu a Wurst perceber finalmente do que se tratava: uma pequena câmara de filmar de 8 mm.


O baque-baque ritmado do motor da câmara soou nos altifalantes. Por detrás deles, no cimo do plano inclinado, a fornalha inclinou-se e começou a despejar metal em brasa.


- ACÇÃO! - gritou o louco.

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08 Novembro 2008

O Que É Sci-Fi, o Que É Science Fiction? Eis um pequeno debate ocorrido há uns bons aninhos (ainda o Independence Day era novidade), com Harlan Ellison no seu usual self. A verdade é que quando este senhor se calar, desaparece mais um defensor da verdadeira FC. Outra verdade é que este debate é tão confuso e inútil para o mundo em geral como o é, para mim, os programas de comentários desportivos que convidam pessoas que não pertencem ao mundo do futebol, não são jogadores, treinadores nem donos de clubes, e contudo argumentam como se a sua pequenez fosse ouvida. A grande vitória do sistema democrático foi de dar aos pequeninos a ilusão de que conseguem mudar o rumo das coisas. Por sua vez, a grande vitória dos pequeninos foi de, por vezes, até conseguirem mudar...

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Mais Que Martirizante Do Corpo, o ortomixovírus é um sacaninha que rouba capacidade de processamento, razão pela qual não vos pude entregar as devidas e prometidas amostras de pulp fiction dos últimos dias (is there anybody out there?). Tentarei recuperar no fim-de-semana, ainda que nos próximos dias venha a ocorrer um segundo desafio contra a regularidade, pois em princípio estarei presente neste evento (preferia sinceramente num local mais quente; resta-me o consolo de ser a cidade com a melhor livraria de FC da Europa). Entretanto, para não vos deixar à míngua, e para retomar a zona «morta» deste site, pretendo ir actualizando as secções de contos e artigos do TecnoFantasia com algura regularidade. Começo hoje com o meu recente «Ionesco à Solta», numa versão revista face aos primeiros rascunhos que em tempos divulguei. Trata-se d eum conto-experiência no qual o desafio foi de escalpelar uma narrativa à sua essência, procurar contar uma história (épica de preferência) apenas com um punhado de frases (cada frase poderia representar um capítulo inteiro). Ficam as interrogações: é possível transmitir a sensação de imensidão narrativa com uma frase precisa e exacta? Existirá em cada livro, em cada tomo ou capítulo ou secção uma frase que o resume, serão todas as demais palavras revestimento desnecessário? Virginia Woolf defendia que uma frase é apenas um punhado de palavras, e só no parágrafo é que começa a prosa. Uma das respostas que encontrei concretizou-se neste conto, pontapé de arranque para outras experiências mais bem-sucedidas. Quanto muito, constitui um saudável exercício de escrita. O TecnoFantasia encontra-se disponível para as vossas experiências, também, vejam no site principal o contacto.

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06 Novembro 2008

Num Simpático Despique Connosco, o excelente e informativo blogue do crítico João Seixas tem acompanhado a nossa iniciativa 30 Dias de Pulp com uma abordagem muito própria e extremamente importante: apresentar, ao ritmo de um por dia, livros de uma época «bizarra» nas publicações portuguesas (anos 70, 80), e recuperar do fundo de um oceano de profundo esquecimento (porcerto, semelhante ao esquecimento a que votámos durante tanto tempo acontecimentos traumáticos da nossa história, como o Estado Novo e a Guerra Colonial, e que só agora começam a surgir em formato ficção) livros cujos últimos exemplares sobreviventes passam despercebidos por estantes de alfarrabistas, a aguardar que o tempo e o degredo os consumirem de vez. Livros de pequena distribuição, obras únicas, colecções que fôlego curto... eis uma recolha imprescindível para a nossa memória enquanto entusiastas do género e enquanto portugueses - embora, como já tive oportunidade de desenvolver em outro lugar, esta nossa memória ande a precisar de boas vitaminas. Atrevo-me mesmo a dizer que, de tudo o que o João já produziu, esta iniciativa é uma das suas contribuições mais importantes, e espero que não se quede pelo número trinta. São textos assim, ainda que pequenos e a deixar água na boca, que irão ajudar a construir (finalmente) uma história nossa do género, criar dos retalhos e das peças de difícil encaixe uma proposta de puzzle e imagem de conjunto, e acima de tudo, honrar os esforços (a maioria derivados de amor à arte, nobres e fúteis como o são todos os actos românticos) dos pioneiros que nos antecederam e que não gozavam da oportunidade do print-on-demand, do dinamismo do mercado e da apetência para o fantástico que hoje conhecemos. Vivemos em tempos interessantes, sem sombra de dúvida.

Mas quero ser ainda mais contundente, e perguntar porque não se encontram estes textos nas consideradas importantes revistas do meio editorial português. Porque têm de estar relegados a um blogue, um entre tantos, sem a visibilidade que merecem. Sim, porque não se encontram na LER ou n'Os Meus Livros? Porque terá o João sentido (e isto é especulação minha) a necessidade de auto-publicação, antes de indagar junto das mesmas se estariam interessadas? Atrevo-me a pensar que não seria aceite, ou que teria de enfrentar duras «censuras» editoriais. O que é natural, porque material desta natureza não se encontra presentemente nestas revistas, não se apresentam enquanto estandarte e missão de artigos de opinião profunda e informada.

Isto conduz-me, finalmente, a uma frustração particular com o facilitismo editorial que encontro neste tipo de publicações no nosso país.

Não será - ou deveria ser - função destas revistas explorar o nosso meio editorial em todas as suas vertentes? Não deviam ser também elas a defender o que da nossa literatura não se encontra nas livrarias, os ecos do passado, promover viagens aos arquivos das bibliotecas e reconhecer que, se a literatura é eterna, por vezes é preciso desenterrá-la de debaixo de camadas de sedimentação? Não deveriam educar e informar o leitor para lá da mera resenção do livro recém-publicado?

Sejamos ainda mais honestos, e afirmemos que há muito nestas revistas que é perfeitamente banal, pobre e mal informado, de uma qualidade semelhante à de entradas em blogues ou na wikipedia. Há inclusive colunas de opinião nas revistas acima mencionadas que me fazem levar as mãos à cabeça em espanto. Como é possível ser-se tão desinteressante? (Minha cara, que me interessa a sua bendita viagem ao Brazil?) Onde estão os livros? Onde está a sabedoria? Onde está a informação e a capacidade única de análise que deveria caracterizar quem se encontra na vossa nobre função de oradores? Por céus, onde está a caneta vermelha do editor? Entendo que seja difícil rejeitar textos de amigos, mas até as mensagens difíceis podem ser passadas com um educado «Pá, sei que és capaz de muito melhor, refaz lá isso com a qualidade que toda a gente espera de ti». Que valor real têm então revistas dessa natureza? Porque haveremos de pagar por informação que poderemos ter de graça em  maior qualidade e quantidade? Idos vão os tempos em que o Público ostentava cadernos semanais de profundo conhecimento temático (princípios dos anos 90), com artigos extensos e informados. Esses cadernos seriam coleccionáveis hoje, e poderiam (e deveriam) ser recolhidos e antologiados em livro, se alguém se desse ao trabalho.

Duvido que vejamos melhorias. Pelo menos, temos a internet, e esperemos que o João continue a lembrar-nos de uma memória, por dia, que desconhecíamos.

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If You Guys Thought You Had It Bad for 8 Years, just consider this Alternate History scenario (President and his VP)...

As in: "Important life lesson: Rejoice with what you have. Things can always be worse than they are"

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05 Novembro 2008

26 Dias de Pulp. A fórmula denigre o pulp. A solução banal embaratece a nobreza da história. A prosa indiferenciada nega a grande capacidade da literatura de transmitir sensações exactas quando as palavras são usadas com a precisão e a delicadeza do escalpelo. Nem tudo é narrativa, ou melhor dizendo, a narrativa não é só o que acontece do lado de fora.

(imagem propriedade de EC Comics)

Os rapazes ainda se encontravam a debater o título apropriado – A Terra que o Tempo Esqueceu, o Vale Perdido, um Pedaço do Passado, Aventura na Ilha dos Dinossauros, ou Bramem os Vulcões Pendores de Realidade (a última, claro, só podia ser sugestão do Fred) – quando o Tiranossauro veio a correr na nossa direcção.

Ora, possivelmente já terão visto uma destas humildes bestas nos noticiários das sessões de cinema: um monte de massa, músculo e dentes do tamanho de uma torre, que pesa centenas de toneladas e que se trata de um dos mais ferozes predadores de sempre.

O que essas imagens não transmitem é a estonteante velocidade daqueles bichos.

Um segundo a um bom quilómetro de distância. No segundo seguinte cem metros mais próximo. Nove segundos depois, estaríamos na barriga do monstro.

E nós ali parados, de mapa na mão, com os carros a uma distância que, embora curta, de repente parecia impossivelmente longínqua.

O monstro galgou um monte e saltou no ar, assentando sobre a terra com um estrondo. Um fio de baba corria-lhe da boca aberta e brilhava com as cores do arco-íris. Escancarou a boca num berro ensurdecedor. Nem sequer estava preocupado em que nos pudesse afugentar. Estava a divertir-se.

Diógenes guinchou como uma adolescente, deu uns passos atrás e caiu de rabo numa poça de água. Num gesto igualmente inútil, Passos puxou da automática .45. Aquelas balas nem lhe fariam cócegas. Os restantes nem se mexeram.

Puxei do maço de cigarros. Era o último. Tinha de comprar mais.

Quando ergui os olhos, o bicho não estaria a mais de duzentos metros. Dois segundos.

Um zumbido estalou no ar. Senti todos os pelos dos braços e da cabeça a ficarem em pé.

O Tiranossauro cessou num instante a corrida.

Tinha ficado imóvel no ar. Só conseguia agitar as mandíbulas fechadas, numa tentativa de soltar-se de algo invisível. O zumbido persistiu.

- Bem, o campo de forças continua a funcionar em pleno – disse eu, com a maior das calmas. Na verdade, corria-me adrenalina nas veias, do susto deste encontro inesperado.

O outros eram dignos de se ver. De olhos esbugalhados, bocas semi-abertas, beicinho a tremer, cabelos em pé, e no caso de Diógenes, mergulhado na lama.

- Vai ser preciso trocar de calças, senhores? - disse de forma trocista. Eles que ficassem a pensar que os meus eram feitos de ferro.

Alguém soltou um gemido. Um gemido sério.

Fred dobrou-se subitamente, agarrado ao peito, e caiu no chão.

- Não consigo respirar…

Acorri sem pensar. Aquele não era o melhor sítio para ter um ataque cardíaco. O médico mais próximo estava a centenas de quilómetros de distância por terreno bravio.

- Fred, não me faças isto… - murmurei entre dentes. Afastei-lhe as mãos do peito e comecei a aplicar massagens. Era o único pronto-socorro que me ocorria. – Vejam no kit médico dele se tem alguma coisa para o coração!

Os outros reagiram por fim. Começaram a despejar-lhe a mochila. Entre peúgas e barras energéticas, três livros pesados embateram no solo.

Walt Whitman, Jack Kerouack, Hermann Melville.

Este era o nosso Fred. Só ele poderia visitar o último recôndito terrestre onde sobrevivia ainda uma ecologia pré-histórica, e arriscar-se a morrer de forma banal, sem qualquer pinta de originalidade.

 

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