01 Dezembro 2008
Leituras Aleatórias. Fantasy - The Best of the Year 2008, organizada por Rich Horton, é mais uma das antologias anuais que procura compilar os melhores contos publicados no ano transacto, neste caso no género «fantasia», de acordo com os critérios editoriais norte-americanos. Mais do que selecções rigorosas de acordo com princípios pré-estabelecidos, cada qual segue os ditames de gosto do organizador respectivo, mais subconscientes do que académicos, e na verdade é assim que tem de ser. O resultado, contudo, torna-se por vezes eclético e incompreensível.Nesta antologia voltamos a encontrar «The Cambist and Lord Iron», de Daniel Abraham (o coitado, certamente por lapso, encontra-se omisso na secção das biografias no final do livro), que Kelly Link também seleccionou para a Year's Best Fantasy & Horror. «Stray» é uma selecção bizarra: este conto de Benjamin Rosenbaum e David Ackert apresenta-nos a estranha figura de um deus imortal que caminha entre nós, desprovido da glória e do poder do passado (ele que era mais poderoso que o mais poderoso dos reis). É aparentemente um deus africano, algo que não fica explícito, e que só nos é revelado pelas ocasionais menções de racismo e ambiente rural, informando-nos em simultâneo das questões de pele e de que possivelmente o cenário é o interior dos Estados Unidos algures na primeira metade do século XX. Contudo, a história limita-se a mostrá-lo a casar-se com uma mortal, a desviar as suspeitas do outro pretendente desta mulher face à sua verdadeira natureza, e a influenciar constantemente o que ocorre em seu redor, algo que lhe traz infelicidade pois sente que nada é genuíno na sua vida (quem diria que os deuses tinham problemas existenciais tão vincados?). Se ele encontrou guarida, contudo, quando foi a vez de se deparar com uma menina branca que tinha perdido toda a família, a rezar num cemitério, e pretendeu dar-lhe refúgio, um novo lar e uma esperança na vida, como qualquer deus que se prezasse, a mulher avisou-o de que, dada a sua cor de pele, era melhor não, e portanto abandona-a no meio da estrada. E acaba assim. Não sendo um conto particularmente bem escrito, repleto de interjeições intimistas que quebram o ritmo, e dada a natureza puramente circunstancial do protagonista (enquanto deus, não realiza nenhum feito divino, portanto poderia ser um qualquer outro personagem cujos fortes princípios morais contrariassem a decisão final, para os efeitos da história), eis um conto perfeitamente dispensável de publicação, e muito menos de inclusão neste tipo de antologias.
Melhor sorte não se reserva a «The Last Worders» de Karen Joy Fowler, autora de quem tenho uma excelente opinião a nível literário. Mantendo uma qualidade de escrita elevada, por vezes fazendo recordar-me Ursula Le Guin, eis a história de duas gémeas que estão tão unidas em pensamento e acto que se apaixonam sempre pelas mesmas coisas. Isto é complicado para elas, pois implica que se apaixonarão sempre pelo mesmo rapaz, e assim uma delas nunca será feliz. A solução que encontraram no liceu foi de fazerem um voto mútuo no qual nenhuma delas procurará aquilo que verdadeiramente pretende, o que é tramado em termos afectivos. Daí que, mais velhas, tenham chegado a uma conclusão: que seja o rapaz a decidir. E é assim que, após colocarem um detective privado na senda dele, viajam até San Margais (lugar inventado?), lugar onde foi registado o último movimento do seu cartão de crédito. O rapaz terá de escolher uma delas, só assim alcançarão a felicidade. Ao mesmo tempo, procuram «The Last Word», um café de stand-up comedy sem a parte da comédia. Supostamente o rapaz actuará nesse lugar, que se situa no final da escada que leva ao rio, no fundo do desfiladeiro, que outrora escravos subiam e desciam sem parar para trazer água fresca para a vila. O pormenor histórico não acrescenta nada à história, que parece resultar de uma colagem de incidentes, pensamentos e estilos (a cena surrealista na qual o discurso proferido pelo rapaz influencia a vida dos ouvintes, que não conseguem voltar para as suas casas, os seus cônjuges e filhos, e são obrigados a recomeçar uma nova vida, está completamente desenquadrado do estilo mundano e directo que perpassa todo o conto). No final, apenas uma das irmãs consegue entrar no «Last Word», e de facto, apenas uma delas entra, deixando a outra de fora, pela primeira vez separadas em acto e intenção. E acaba assim, mais uma vez. Torna-se difícil perceber qual a verdadeira intenção da autora. Quereria mostrar que cada ser faz o seu próprio destino? Que não há ligações eternas? Que todos estamos à espera da primeira cena do filme da nossa vida? Julguem por vós próprios. Na minha opinião, trata-se de uma das mais fracas narrativas do historial de Fowler e mais um contributo negativo para uma antologia que se diz ser de fantasia.